Neném Prado, meu amigo, um dos últimos comissários de boiadas do Cerrado, nos deixou.
Cavalgamos juntos nas paisagens do Planalto Central em diversas viagens tangendo boiadas pelos sertões, nos primeiros anos de minha vida em Goiás. Eu, moço de cidade, tentando me equilibrar no lombo dos burros mansos que ele me disponibilizava, ouvindo atento suas histórias e lições sobre a vida sertaneja, absorvendo os regionalismos da sua fala e de seus companheiros de trabalho. Ficava poucos dias acompanhando a tropa, três ou quatro marchas no máximo. Depois me despedia, voltava para o conforto da capital e eles seguiam seu destino, para a entrega do gado em 100 ou mais dias de estradas boiadeiras, pelos caminhos de Goiás, de Minas Gerais, de São Paulo, do Mato Grosso e até do Paraná.
Com ele aprendi algumas manhas da lida com o gado, dormi nas redes ao relento na companhia da comitiva, tomei café da manhã, almocei e jantei ao lado da boiada fechada em currais de cordas. Das lições de vida que já tive, essa foi a experiência que mais me marcou. Foi um início gratificante na minha jornada goiana.
Convivemos muitos anos, numa amizade que perdurou até agora na presença física e que será perene nas minhas melhores lembranças de vida. Sua honestidade, conduta ética, seus princípios, a simplicidade e a qualidade de homem sertanejo que gostava de ler John Steinbeck e Gabriel Garcia Márquez enquanto acompanhava o manso tanger do gado a passo do burro, estarão comigo para sempre.
“… na convivência com Neném aprendi muito desse mundo cheio de contradições que é Goiás: depositário de antigas tradições, cunhado por uma gente reservada, amiga, pioneira e bravia, formadora do interior do Brasil e, ao mesmo tempo, pilar do desenvolvimento e da modernidade do Centro-Oeste. Foi ele o condutor do meu ritual de entrada nesse mundo antigo, que a cada dia desaparece mais um pouquinho” (do livro Memórias: Boiadeiros do Cerrado).
Descanse em paz, Neném Prado.
2020